quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

FRANCISCO

Quando somos crianças não sabemos nada da vida. Aquilo que seremos, as lutas que vamos travar, com quem nos vamos cruzar. Quando ele nasceu, eu mal sabia o que era o autismo. A primeira vez que o segurei no colo tinha 20 anos. Nunca me passou pela cabeça o que aquele bebé viria a ser. Nunca imaginei como seria dura a jornada.

Quando percebemos que algo estava errado com ele, quando chegou o diagnóstico do autismo, confesso que aligeirei. Ele ia dar a volta àquilo, pensei. Comecei a interessar-me pelo tema, investiguei, li, queria saber mais. Precisava de compreender o que ele sentia, qual era a origem do sofrimento dele, como poderia ajudá-lo. Na ignorância reside o estigma e o preconceito, e eu queria ser diferente. Ele merecia isso. Hoje sinto que, de alguma forma, consigo ter uma ligação com ele, pela forma como me olha, me toca, como se soubesse que me preocupo com ele, como se visse em mim a compreensão que não vê em todos. 

À medida que fui pesquisando sobre o tema, muitas das minhas dúvidas foram esclarecidas. Outras, estão até hoje sem resposta. A verdade é que nunca perdi a esperança. Sabia de histórias de outras crianças que conseguiam comunicar. Então, porque não?

Os anos foram passando e o Francisco cresceu. Acalmou um pouco, parece conseguir controlar melhor o mau estar que sente. Foi adquirindo competências e registando progressos lentos mas nada de verdadeiramente significativo. Até agora.

O Francisco sabe escrever. 

A descoberta foi ocasional, na escola. E de uma palavra isolada, começaram a surgir frases, pensamentos, sentimentos. E de repente somos invadidos por este turbilhão de emoções que eu própria tenho dificuldade em exprimir. É uma euforia, um arrepio, é incredulidade e alegria, é esperança, é medo. De repente percebo que em todas as conversas ele estava ali, a absorver, a ouvir. E fico horrorizada. E se eu disse alguma coisa que o magoou? E agora? Como lidar com isto?

É um processo de assimilação, à medida que os dias passam e a comunicação é mais e mais efetiva. É um momento de emoção indescritível e, ao mesmo tempo, de alguma ansiedade quanto ao que o futuro lhe poderá reservar. E se isto é assim para mim, não consigo imaginar como será para os pais. Penso muitas vezes nos meus tios, principalmente na minha tia, que é mãe, provavelmente a melhor de todas. Porque me contava as sardas quando eu era pequenina, porque me ensinou a escrever o nome e a contar os números. Porque é, sem sombra de duvida, a melhor pessoa que conheço. Um modelo a seguir. 

E não consigo evitar esta emoção que sinto ao escrever estas linhas, porque sei que ela merecia, mais do que qualquer pessoa no mundo, que a vida lhe retribuísse um dia tudo o que ela dá em troca.






SERRA DA ESTRELA

Desde que a Carolina nasceu que nunca mais fomos à Serra da Estrela. Já tínhamos ido uma vez com amigos e outra vez com a Iara, quando ela tinha precisamente 5 anos. Dessa vez não correu nada bem. A miúda não alinhou em nada. Não queria escorregar porque depois tinha de subir e dizia que estava cansada. Ficamos num hotel muito foleiro na Covilhã onde (mal) dormimos os 3 numa cama minúscula. A miúda não queria comer nada. Enfim, foi um fim-de-semana muito complicado, talvez por isso tivéssemos demorado tanto até decidirmos lá voltar.

Fomos com a família toda atrás e apanhamos tempo bom. Deu para divertir muito. A Carolina sozinha fez a festa e atirou as canas. Cansou-me a mim e ao pai porque é uma fonte inesgotável de energia. Nunca se cansou e não queria vir embora de maneira nenhuma. Quando finalmente a conseguimos arrastar para o carro, caiu exausta e dormiu 3 horas seguidas.


























terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

AS 48H MÁGICAS

Já disse aqui, vezes sem conta, que a Carolina tem um feitio difícil. É teimosa, impulsiva, quer mandar em toda a gente, não aceita um não. Como ficou doente e esteve uns dias sem ir à escola teve oportunidade para agravar esse comportamento, estando em casa, sem as rotinas habituais.

Resultado: tem feito mais birras que o normal. No domingo à noite, quando a chamei para ir para a cama fez o espetáculo do costume, só que em dobro. Se às vezes lhe dou uma palmada no rabo ou me zango com ela, nesse dia não fiz nada disso. Sentei-me no chão das escadas sem dizer nada, só a olhar para ela, enquanto gritava e chorava sem parar. Fiquei ali largos minutos, com ar desiludido, até que ela lá se acalmou. Nessa altura perguntei-lhe o que é que ela tinha ganho com tamanha birra e disse que estava a sentir-me imensamente triste e com muita vontade chorar.

Agarrou-se ao meu pescoço e, como habitualmente, pediu desculpa várias vezes. Lá lhe expliquei que as desculpas só fazem sentido quando não voltamos a cometer os mesmos erros e que pedir desculpa para voltar a fazer o mesmo no dia seguinte não vale de nada.

Prometeu-me que se ia portar bem, que não ia mais fazer birras e eu lá assenti com a cabeça, sem acreditar em nenhuma palavra dela.

Desde essa conversa passaram 48 horas e a Carolina tem sido exemplar. Não faz birras para dormir, não faz birras para se vestir e eu, faço um grande teatro a elogiar o comportamento dela. Bem sei que tudo isto pode mudar já logo à noite mas so far so good, por isso, fico a fazer figas para que a época de tréguas se prolongue por mais uns dias ;)